obrigada por ter partido meu coração.
- gabriele arruda

- 27 de mar. de 2024
- 4 min de leitura

Já era noite, e eu estava voltando do seminário quando passei em frente a uma escola que fez parte de uma fase importante na minha adolescência. Lembrei que foi lá onde fiz a primeira prova da etapa inicial do concurso de admissão para o ensino médio militar - um sonho que eu cultivava desde que era pequena.
Voltei às minhas memórias e lembrei dos meses de estudo, principalmente em conteúdos de matemática – sempre fui uma analfabeta funcional no mundo das ciências exatas. Memorizei conteúdo, fiz simulados com provas dos anos passados, assisti aulas no YouTube, e orei.
Quando o dia chegou, estava nervosa. Cheguei naquela escola, entrei na sala, e recebi a prova. Antes de responder a primeira pergunta, orei: "Senhor, me ajuda a lembrar do que estudei. E que seja para Tua glória."
Respondi as perguntas e fiquei surpresa com o meu desempenho. Preenchi o gabarito, entreguei para o monitor, e saí da escola confiante de que havia dado o meu melhor - e de que ele era suficiente.
Uma semana depois encontrei um colega que já estudava no colégio militar, e ele me disse algo que cortou meu coração: "na hora do intervalo dois rapazes realizam evangelismos na escola, Gabi! Eles oferecem estudos, oram, leem a Bíblia e cantam louvores." Eu não consegui disfarçar minha surpresa - que surpreendentemente era negativa.
Ouvir aquilo me fez pensar instantaneamente: "já tem gente pregando lá. Aposto que na minha segunda opção de escola ainda não tem." Era como se eu já soubesse que não ia passar.
Mas não cedi ao negativismo. No outro dia a lista dos aprovados sairia, e muito provavelmente eu iria me alegrar vendo minha aprovação.
No dia seguinte acordei, e antes de abrir o resultado orei: "Senhor, não sei se adianta de alguma coisa orar agora. Talvez adiante para o meu coração. Que seja para Tua glória, quer a aprovação, quer a reprovação." Respirei fundo, e abri o resultado. Rolei a tela procurando por meu nome, e quase não acreditei no que vi: reprovada por duas questões em matemática.
Doeu. Chorei. Doeu mais. Chorei novamente. Fazer o ensino médio no colégio militar era um dos meus sonhos de infância. A organização, as fardas, as oportunidades, os desfiles cívicos, a qualidade na educação, tudo! Enquanto minha segunda opção de escola não passava de um lugar do qual eu queria distância - por ser o completo oposto de tudo o que o meu sonho era.
Passei três dias triste e insatisfeita com meu resultado, meu futuro, minha nova escola. Mas algo incomodou meu coração em meio ao seu descontentamento: eu me lembrei do que havia dito meu colega, um dia antes de ver o resultado do concurso.
O Evangelho já estava sendo pregado naquele colégio militar. E de alguma forma eu sabia que na minha nova escola ainda não. Ao me dizer “não”, o Senhor também me dizia “sim” para um sonho ainda mais especial: participar daquilo que Ele estava fazendo no universo.
E de fato, os anos que se seguiram provaram isso. Minha nova escola era o oposto daquilo que eu havia sonhado. As trevas reinavam naquele local. Mas o Evangelho também irradiou esperança. Por meio unicamente da graça do Deus que é especialista em usar gente quebrada, preguei para meninas que haviam sido feridas por abusos, enganadas por vãs ideologias, e usadas pelo inimigo astuto. Preguei também para meninos confusos com suas próprias identidades, aterrorizados com o futuro que “estava à sua própria mercê”, e aprisionados pelos vícios traiçoeiros do pecado.
Quando o tempo passou, eu consegui avistar com mais clareza o quadro lindo que Deus estava pintando, e meu coração transbordou de gratidão a Ele pelo “não” que havia me dado. Porque, na realidade, seu “não” havia sido um “sim”. No dia em que fiz a prova, pedi que o que quer que acontecesse, o fosse para a Sua glória. E assim Ele fez.
Hoje, quando lembro daquela Gabi de 15 anos chorando às 8h da manhã por uma reprovação, me sinto pequena. Eu não fazia ideia de que aquilo que o Senhor estava me oferecendo era muito maior e transcendente do que um bobo sonho de infância. Quase tendo a ridicularizar essa cena, mas logo em seguida percebo que hoje ainda sou como era há alguns anos. Eu ainda sofro com os "nãos" que recebo. Ainda me sinto desanimada em relação ao meu futuro quando meus planos se revelam fracassados. Ainda perco de vista que a vontade de Deus sempre será infinitamente melhor que a minha, ainda que parta meu coração.
Quão doces são os “nãos” do Senhor. Quão maravilhoso é ter o coração partido pelas Suas firmes, amorosas e habilidosas mãos - que sempre sabem o que estão fazendo. Podemos não entender de pronto. As lágrimas podem rolar pelo rosto. O coração pode doer. O futuro pode parecer mais sombrio e escuro. Mas o tempo passa. O tempo passa e nós avistamos com clareza o quadro de Deus, e percebemos o quanto os Seus “nãos” contribuíram para que pudéssemos fazer parte da bela arte que Ele tem preparado.
Obrigada, Senhor, por ter partido meu coração. Por ter me dito não tantas vezes. Por ter arrasado com meus planos. Por ter me feito ver o quanto o Teu quadro era sempre maior, mais belo e mais completo do que cada uma das minhas tentativas de determinar meu próprio futuro. Meu coração é Teu, para partir e para refazer.





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